segunda-feira, 26 de maio de 2014

Construir a Cultura do Encontro



Dário Pedroso, s.j.

O Papa Francisco propôs, para o Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano, um tema bem importante e que nos exige reflexão e audácia para uma acção corajosa. Os meios de comunicação social têm que estar ao serviço da«cultura do encontro» entre pessoas, famílias, povos. Há um grande fosso entre pessoas, culturas, religiões, entre ricos e pobres, entre gerações. Precisamos de descobrir as riquezas do mundo digital, da internet, dos diversos meios de comunicação, para estabelecer encontros que ajudem a construir uma família humana mais coesa, mais em comunhão, mais sensibilizada à pobreza e às suas terríveis consequências, empenhando todos na construção da civilização do amor. São belas e apelativas as seguintes palavras do nosso Papa Francisco, na Mensagem para este Dia:

«Neste mundo, os mass-media podem ajudar a sentir-nos mais próximos uns dos outros; a fazer-nos perceber um renovado sentido de unidade da família humana, que impele à solidariedade e a um compromisso sério para uma vida mais digna. Uma boa comunicação ajuda-nos a estar mais perto e a conhecermo-nos melhor, a ser mais unidos. Os muros que nos dividem só podem ser superados se estivermos prontos a ouvir e a aprender uns dos outros. Precisamos de harmonizar as diferenças por meio de formas de diálogo, que nos permitam crescer na compreensão e no respeito. A cultura do encontro requer que estejamos dispostos não só a dar, mas também a receber de outros. Os mass-media podem ajudar-nos nisso, especialmente nos nossos dias, em que as redes da comunicação humana atingiram progressos sem precedentes. Particularmente a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus».

A utilização dos meios de comunicação social exige de nós discernimento, reflexão, talvez mesmo um certo exame de consciência para examinarmos como usamos esses instrumentos que sendo, como diz o Papa, um dom de Deus, também podem ser usados de uma maneira exagerada e nefasta, podem dificultar a comunicação verdadeira e justa, podem influenciar negativamente o pensamento e dificultar o encontro, podem prejudicar até a saúde e a paz interior, podem fomentar a injustiça e enveredar pela mentira e pela manipulação.

Fonte: Apostolado da Oração

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Dar a vida



Dom Alberto Taveira Corrêa – Arcebispo de Belém do Pará

Jesus veio trazer a vida para todos, e a vida em abundância. As atividades pastorais da Igreja, assim como todas as ações realizadas com espírito de caridade, por quem quer que seja, poderão se espelhar sempre naquele que se ofereceu para a salvação da humanidade. Nenhum amor será maior e suscitará tamanho fruto para a vida dos homens e mulheres de todos os tempos.

Sua Ressurreição é a resposta à entrega total realizada em benefício da vida em plenitude, o que leva os cristãos a dedicarem anualmente um período significativo de sua vida ao aprofundamento do mistério pascal de Cristo, certos de que nunca se esgotará esta fonte, na qual todos podem se saciar continuamente.

A pregação dos Apóstolos de Jesus era muito direta e simples, pois anunciava que o mesmo Jesus que tinha sido morto havia ressuscitado, e ele é o Senhor e Salvador e um dia há de voltar. O anúncio foi suficiente para a conversão de uma multidão de pessoas, já no início da pregação do Evangelho. Depois da primeira pregação feita por Pedro, após a descida do Espírito Santo, ficaram compungidos os corações, suscitando a pergunta sobre os caminhos a serem percorridos a partir dali. A resposta é igualmente direta e provocadora: “Convertei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para o perdão dos vossos pecados. E vós recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2, 38).

Os Atos dos Apóstolos contam os feitos e fatos das primeiras comunidades cristãs, nas quais resplandece, naqueles que acolhem o anúncio, um novo estilo de vida: comunhão na oração, perseverança na doutrina dos Apóstolos, que anunciavam a Palavra de Deus, partilha fraterna dos bens e a Fração do Pão, que foi o primeiro nome da celebração da Eucaristia. Nasceu a Comunidade viva, estendeu-se a grande rede da caridade, as pessoas se sentiram acolhidas e amadas. Na mesma fonte, continuam disponíveis as graças e as forças necessárias, para que a vida dada por Jesus a todos se multiplique e seja repartida no amor fraterno experimentado no cotidiano, até a volta do Senhor.

Desde os primeiros tempos, a doação de vida e o amor verdadeiro, testemunhado no dia a dia da humanidade, atraem e convocam as pessoas. Mais do que as palavras, vale o testemunho de vida. Multiplicam-se os exemplos de pessoas com grande criatividade no amor ao próximo, com o qual a vida em abundância (Cf. Jo 10,10) permanece a meta a ser alcançada. Sempre que a gratuidade do amor se faz visível, a partir da emoção e até chegar à profundidade do raciocínio dos mais sábios e inteligentes, ninguém resiste.

Basta pensar em dias significativos, como as comemorações das mães, dos pais, ou o dia dos professores, ou dos médicos e assim tantas outras celebrações que envolvem as famílias, a sociedade e a Igreja. Ao celebrar neste final de semana o dia das mães, esta imagem do amor gratuito e desinteressado, livre, forte e cheio de ternura, ocupa espaço na imaginação das pessoas e provoca gestos de carinho, presentes, flores e alegria. Vale meditar sobre este amor, conduzidos pelas mãos do Bom Pastor.

Que força é esta, capaz de dobrar os mais rígidos em seu temperamento? São João, em sua Primeira Carta, afirma de forma categórica: “Amemos-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama, não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor. Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos a vida por meio dele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como oferenda de expiação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou assim, nós também devemos amar-nos uns aos outros. Ninguém jamais viu a Deus. Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós e seu amor em nós é plenamente realizado” (1 Jo 4, 7-12).

O Amor não é privilégio das mães, mas nelas se instalou de forma surpreendente, justamente por ser tão semelhante ao amor de Deus. Parece-me possível encontrar a figura ímpar do Bom Pastor, Jesus, na festa que a Igreja celebra, na alma das mães que enaltecemos nas grandes figuras maternas que nos envolvem (Cf. Jo 10, 1-10).

O amor de mãe conduz os filhos e a família a escolherem os melhores caminhos. Mãe imprime rumo nas opções feitas pelos filhos gerados no seio da família. Mesmo se porventura se desviarem, será sempre possível voltar ao regaço acolhedor de um coração de mãe. As mães se cansam para levar a descansar esposo e filhos. Prados e campinas verdejantes, ou as águas repousantes que restauram, muitas vezes são sinalizadas pelas mães que velam pelos filhos pequenos ou grandes. E quem não sentiu restauradas as forças para a luta ao encontrar a solicitude de sua mãe?

A honra dos muitos nomes de tantas e generosas mães conduz por caminhos seguros, ainda que passem os filhos por vales tenebrosos pelos caminhos da vida. Quando o medo toma conta, a figura e o apelo à mãe se repetem mesmo nos filhos crescidos ou até envelhecidos. Ao por do sol da existência nesta terra, as pessoas acometidas por diminuição da lucidez, viram crianças, como costumamos dizer, e não é raro ouvir pessoas velhinhas que começam a chamar pela mãe, falecida há tanto tempo. Força e ternura, bastão e cajado, cabem bem nas mãos das mães.

E se queremos uma imagem bonita da força do amor que dá a vida, basta pensar em almoço de domingo, em que as mães preparam a mesa, perfumam com o óleo do carinho suas casas e fazem vir à festa da fartura, a abundância cantada pelo salmista.

Enfim, não faz mal algum pensar apenas na felicidade e no bem, desejado e edificado pelas mães, ao darem a vida pelos seus, no heroísmo cotidiano. E como queremos todos passar um dia da mesa da família para a Casa do Senhor, na qual habitaremos por toda a eternidade, as mães são aquelas que nos falam do Céu, que nos ensinam a rezar e nos abrem os horizontes do infinito (Cf. Sl 22).

A festa das mães acontece no segundo domingo de maio, mês dedicado àquela que foi escolhida para ser Mãe do Redentor, Mãe de Deus e Senhora nossa. A ela, nos vários e lindos títulos com os quais a homenageamos, Chegue ela a oração fervorosa, especialmente por nossas famílias, a fim de que sejam o lugar da doação recíproca da vida. Assim nos conduza o Cristo, Bom Pastor!

Fonte: CNBB

segunda-feira, 12 de maio de 2014

O bem e o mal



Cardeal Orani João Tempesta - Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)

A questão do bem e do mal não é mera formulação de uma mente humana pouco ocupada, mas, ao contrário, é uma realidade viva que se apresenta a cada um de nós desde as primeiras páginas da Sagrada Escritura e em tantos outros documentos históricos dos primórdios das diversas civilizações.

A título de definição precisa, à luz da Filosofia, constatamos que pode ser chamado de bem “tudo o que possui um valor moral ou físico positivo, constituindo o objeto ou fim da ação humana”. Para Aristóteles, o bem ‘é aquilo a que todos os seres aspiram’; ‘O bem é desejável quando ele interessa a um indivíduo isolado, mas seu caráter é mais belo e mais divino quando se aplica a um povo e a Estados inteiros’. “Tanto para os antigos quanto para os escolásticos, o bem designa, em última instância, o Ser que possui a perfeição absoluta: Deus” (...) “Enquanto conceito normativo fundamental na ordem ética, o bem designa aquilo que é conforme ao ideal e às normas da moral” (H. Japiassú; D. Marcondes. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: JZE, 1999).

O mal, por sua vez, designa “em um sentido geral, tudo o que é negativo, nocivo ou prejudicial a alguém”. ‘Podemos considerar o mal em um sentido metafísico, físico ou moral. O mal metafísico consiste na simples imperfeição, o mal físico no sofrimento, e o mal moral no pecado’ (Leibniz)” (idem). Contra a tese maniqueísta – segundo a qual há dois princípios coeternos, um bom e um mal que têm existência em si mesmos – a filosofia e a teologia cristãs se levantaram, especialmente com Santo Agostinho, século V, que fora maniqueísta, para dizer que o mal não existe em um sentido absoluto, mas apenas como imperfeição, limitação de um ser. Desse modo, a escuridão não tem existência própria, ela só pode surgir na falta da luz.

Isso posto, voltemo-nos para a Sagrada Escritura, cujas primeiras páginas deixam claro, na linguagem própria dos primeiros capítulos do Gênesis, que Deus criou o mundo material – reino mineral, vegetal e animal irracional – e espiritual, os anjos do céu, por meio de sua palavra (dabar) e viu que “tudo era bom” (por ex. Gn 1,10). Fez, em seguida, o ser humano para um lugar especial, pois ele sintetiza, em si, o mundo material e espiritual, uma vez que tem a alma dada diretamente por Deus. Ao contemplar o homem, feito à sua imagem e semelhança, dentre os seres criados, o Senhor viu que “tudo era muito bom” (cf. Gn 1,31).

Neste universo criado, reina uma ordem e harmonia própria a refletirem a sabedoria do seu Autor que tudo criou por amor para dar-Lhe glória e louvor: as criaturas irracionais pelo simples fato de existirem e realizarem a função para a qual foram feitas e nós, criaturas racionais, para glorificarmos a Deus por nossos atos, mas, especialmente, por meio da oração pessoal e comunitária. Neste último modo de rezar está a Santa Missa, culto por excelência ao Pai celestial.

No entanto, à diferença das criaturas irracionais, que seguem as rígidas leis impostas pela própria natureza, as criaturas racionais têm a liberdade de escolha e, por isso, podem optar pelo bem ou contra ele, praticando o mal. Tal foi o que se deu quando Deus colocou os anjos à prova: parte deles permaneceu fiel, mas outros se rebelaram por soberba e foram, por isso, expulsos do céu. São os anjos maus ou demônios, cuja existência não é mera construção literária, mas realidade teológica, conforme atesta a Escritura e a Tradição da Igreja (Catecismo da Igreja Católica n. 391-395).

Por esses dados, já se vê que há uma opção entre o bem e o mal, entre anjos e demônios, entre a geração da mulher e da serpente, como se lê em Gênesis 3,15. Aí, o Senhor disse à serpente “Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. A nota “j” da Bíblia de Jerusalém explica que “o texto hebraico, anunciando uma hostilidade entre a raça da serpente e a da mulher, opõe o homem ao Diabo e à sua ‘raça’ e deixa entrever a vitória final do homem: é um primeiro anúncio da salvação, o ‘Proto-Evangelho’. A tradução grega, começando a última frase por um pronome masculino, atribui essa vitória não à linhagem da mulher em geral, mas a um dos filhos da mulher. Assim, fica esboçada a interpretação messiânica que muitos Padres [=Pais da Igreja nos primeiros setes séculos] explicitarão. Com o Messias fica implicada sua Mãe, e a interpretação mariológica da tradução latina ipsa conteret tornou-se tradicional na Igreja”.

Se a vitória por excelência sobre o diabo, maior interessado no mal, cabe ao Senhor Jesus, o Filho unigênito de Deus, nós que, pela graça do Batismo nos tornamos filhos no Filho (Gl 4,5), também participamos dessa luta e dessa vitória. É São Luis Maria Grignion de Montfort quem assevera que “uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu inimizade irreconciliável, que não só há de durar, mas aumentar até o fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio” (Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. 32ª ed. Vozes: Petrópolis, 2003, n. 52). E mais: continua o Santo do século XVIII a dizer que essa inimizade se arrasta entre as duas gerações daí advinda, a do bem e a do mal, ao escrever que “Deus não pôs somente inimizade, mas inimizades, e não somente entre Maria e o demônio, mas também entre a posteridade da Santíssima Virgem e a posteridad

e do demônio. Quer dizer, Deus estabeleceu inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do demônio” (n. 54).

“Os filhos de Belial, os escravos de Satã, os amigos do “mundo” (pois é a mesma coisa) – continua São Luis – sempre perseguiram até hoje e perseguirão no futuro aqueles que pertencem à Santíssima Virgem, como outrora Caim perseguiu seu irmão Abel, e Esaú, seu irmão Jacó, figurando os réprobos e os predestinados. Mas a humildade de Maria será sempre vitoriosa na luta contra esse orgulhoso, e tão grande será a vitória final que ela chegará ao ponto de esmagar-lhe a cabeça, sede de todo orgulho. Ela descobrirá sempre sua malícia de serpente, desvendará suas tramas infernais, desfará seus conselhos diabólicos, e até ao fim dos tempos garantirá seus fiéis servidores contra as garras de tão cruel inimigo” (idem).

Como prova do que diz São Luis, o Pe. Paschoal Rangel explica, em seu livro Maria, Maria... Ladainha: invocações e metáforas feitas para louvar. Belo Horizonte: O Lutador, 1991, p. 83-84, duas das muitas importantes intercessões de Nossa Senhora em favor da Igreja: a primeira se deu em 1571, com o Papa Pio V. Forças ameaçavam tomar a Europa para subjugá-la. O Papa recorreu ao auxílio da Santíssima Vigem e a derrota dos invasores veio de imediato. Pio V incluiu, então, na Ladainha de Nossa Senhora a invocação: Auxilium christianorum, ora pro nobis (Auxílio dos cristãos, rogai por nós); a segunda foi em 1816, com o Papa Pio VII. Este fora encarcerado por Napoleão e recorreu à Mãe de Deus a fim de encontrar forças para resistir resoluto ao adversário. Demorou um pouco, mas Napoleão perdeu o trono e o Papa voltou a Roma entre aplausos do povo. Em gratidão à Virgem Maria, o Pontífice instituiu a festa de Nossa Senhora Auxiliadora, o Auxilium christianorum, para o dia 24 de maio.

Voltemos à Sagrada Escritura que, dando sequência à opção entre o bem e o mal, mostra como foi por insídia do diabo que o pecado e a morte entraram no mundo, por isso o Senhor Jesus, vida por excelência (Jo 14,6), veio até nós para derrotar o pecado, a morte e o demônio com seu sacrifício de cruz.

Sim, toda vida e obra de Cristo é redentora – redenção é a recuperação de um objeto precioso mediante pagamento, o que supõe um regime de escravidão a ser superado – que pode ser entendida em dois aspectos: a redenção físico-mística ou, como enfatizavam os antigos teólogos orientais, a redenção por contato. Ela significa que desde a Sua conceição no seio materno de Maria, passando pela sua comparação identificadora com objetos diversos (pão, luz, porta, videira, cordeiro etc.), seu batismo, pregação, milagres etc., está em curso o processo de redenção do mundo. Tudo o que tem contato com o homem é transfigurado para uma realidade nova, a realidade recriada por Cristo.

Contudo, é na morte e ressurreição do Senhor que a redenção propiciatória se dá. É nesses eventos que se manifesta o imenso amor puramente benevolente de Deus por nós (cf. Jo 4,10; 2Cor 5,18), cujo Filho se entrega, como sacerdote, altar e cordeiro em expiação (cf. 1Jo 2,2) para derrotar o pecado, a morte e o diabo, realidades reinantes neste mundo até àquela hora.

Se a carne foi o instrumento com o qual o velho homem, Adão, pecou, a carne do novo homem, Cristo, trouxe-nos a salvação. Isso é a recapitulação (usar o mesmo instrumento do mal para o bem, cf. Rm 8,3). Desse modo, o ser humano pecador torna-se, no sacrifício de Cristo, ser humano redimido e, por isso, aberto à graça de Deus.

O demônio foi despojado de seu poder (cf. Jo 12,31; Cl 2,13-15), embora, desde o início, ele quisesse dominar o Senhor Jesus tentando-O diretamente (cf. Mt 4,1-11; Lc 22,3.53) ou instigando os homens contra Cristo (cf. Jo 13,2; 1Cor 2,8). Todas as suas tentativas, diretas ou indiretas, foram, no entanto, frustradas, pois o Senhor Jesus é igual a nós em tudo, menos no pecado. Sua carne humana escondia a Divindade capaz de enfrentar e derrotar todo mal.

A morte também foi derrotada, pois Cristo, inocente como era, nada devia à morte (cf. Jo 12,31; 14,30), por isso ela não pôde detê-lo no cárcere, como tinha feito até aquele momento com os demais homens. Ao contrário, sua aparente derrota imposta ao Senhor serviu-Lhe de ponte para a Sua grandiosa vitória na Ressurreição corporal, centro da mensagem cristã (1Cor 15,14). Assim se dá até hoje, os homens e mulheres continuam, sem exceção, a morrer, mas essa aparente dominação serve de passagem para a vida definitiva em Deus. No dia da consumação final, será a morte totalmente destruída (cf. 1Cor 15,16), embora já esteja derrotada desde a morte e ressurreição do Senhor Jesus.

Daí cantarmos jubilosos no Ofício de Vésperas do Domingo de Páscoa, fazendo referência ao Senhor Jesus: “Ó vítima verdadeira, do inferno a porta abris, livrais o povo escravo, dais vida ao infeliz. Da morte o Cristo volta, a vida é seu troféu, o inferno traz cativo, a todos abre o céu”.

Eis como se entende que, apesar de tantos males que assolam a humanidade, especialmente o mal moral causado pelo próprio ser humano, devemos viver, conscientemente, a nossa fé. Fé no Deus vivo e verdadeiro que passa pela cruz, aparentemente derrotado, mas não fica nela. Ressuscita como primícias dos que morreram, ou seja, como modelo ou exemplar do que também acontecerá conosco após as peripécias deste mundo, conforme nos estimula o Salmo 24,14: “Espera no Senhor e tem coragem! Espera no Senhor”!

Confiantes, pois, em Deus que tudo fez por nós, batalhemos e acreditemos que a vida sempre terá a última palavra, pois sabemos que o bem sempre vence o mal, pela força redentora da cruz gloriosa do Senhor Jesus!

Fonte: CNBB

quinta-feira, 1 de maio de 2014

O mundo e a Igreja



Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará

A Igreja de Jesus Cristo saiu literalmente à Praça Pública, no dia da canonização de São João XXIII e São João Paulo II, dois papas de nossa geração, testemunhas das muitas vicissitudes e alegrias do tempo desafiador e maravilhoso em que nos encontramos. Quem acompanhou pessoalmente ou através dos meios de comunicação pôde conferir a diversidade das culturas, línguas e povos ali representados. Chamava atenção o fato de que chefes de Estado e de Governo compartilhavam espaço e emoção com a multidão presente em Roma. As várias confissões cristãs, representantes de outras religiões e pessoas de convicções diferentes, um mundo inteiro se sentia atraído por duas figuras ímpares quanto à missão exercida a seu tempo e quanto à têmpera de seu modo de ser homens e cristãos.

Papa Francisco salientou em sua homilia da Missa da Festa da Divina Misericórdia que João XXIII e João Paulo II não tiveram medo de se defrontar com as chagas do mundo e de sua geração. João XXIII quis abrir as janelas da Igreja para que o sopro do Espírito se espalhasse, a fim de alcançar todos os homens e mulheres. João Paulo II, além de todo o empenho pela Evangelização, o missionário mais ardoroso de que temos conhecimento nos últimos tempos, foi ao encontro das pessoas, conversou com todos, não fugiu das situações mais dolorosas da Igreja e do Mundo. É que os cristãos se encontram dentro das realidades do mundo, são passíveis de erros e pecados, podem pôr tudo a perder, se não é a graça de Deus que os acompanha e sustenta. 

A chave que abre as portas da esperança e da felicidade é justamente o reconhecimento simultâneo das fragilidades humanas e da força de Deus. Aquele que pode abrir o livro da vida das pessoas e da história humana é Jesus Cristo, o Cordeiro Imolado, o Santo de Deus. Só Ele tira o pecado do mundo (Cf. Ap 5, 1-8). Com o Deus não nos fez para amassar barro na maldade e no egoísmo, o desejo de ser puros e santos atrai a todos. Por isso, apresentar a Boa Nova de Jesus Cristo, malgrado todos os pecados do mundo, é a estrada mestra para todos, sem exceção. Cabe à Igreja ter a ousadia de apontar para frente e para o alto, fazendo tudo para que o maior número possível de pessoas se envolva nesta grande marcha rumo à perfeição das relações das pessoas com Deus e entre si. Por isso tantos irmãos e irmãs são inscritos no catálogo dos santos, reconhecidos como modelos no seguimento de Jesus.

As imagens do dia da Divina Misericórdia eram suficientemente eloquentes para nos convencermos de que a Igreja tem uma palavra e um testemunho a oferecer ao mundo. Trata-se de sua missão, na qual não pode se omitir. Ela deve ser anunciadora da verdade e lutar pela dignidade das pessoas, assim como há de mostrar que o melhor para todos é o amor ao próximo e o amor a Deus. Ao mostrar este caminho, que tem o nome de santidade, a Igreja e os cristãos aprenderão a se confrontar com as realidades humanas, inclusive quando as diferenças vêm à tona. E o diálogo entre diferentes começa com a valorização recíproca, que comporta superação de julgamentos e preconceitos. Acreditar no bem que existe no outro, seja qual for sua origem, idade ou prática religiosa, é um passo fundamental. Convergem na direção do bem as pessoas que apostam tudo nas próprias convicções e ao mesmo tempo se abrem para o bem que existe em quem procede de outras plagas.

As pessoas com quem dialogamos venham também a ter conhecimento de que temos algo a oferecer. Não somos incapazes quanto à humanidade e a cultura. A luz do Evangelho é o que existe de melhor para o mundo. Nada de omissão. Sejam, pois, superados os eventuais complexos de inferioridade com os quais muitos cristãos se apresentam diante das estruturas do mundo. Cresça a presença qualificada dos cristãos nos diversos campos profissionais. Amadureça sua capacidade de dar razão da esperança, segundo o caminho proposto pelo Apóstolo São Pedro: “Se tiverdes que sofrer por causa da justiça, felizes de vós! Não tenhais medo de suas intimidações, nem vos deixeis perturbar. Antes, declarai santo, em vossos corações, o Senhor Jesus Cristo e estai sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir. Fazei-o, porém, com mansidão e respeito e com boa consciência (1 Pd 3,14-16)

A aventura da santidade se tornou mais atraente ainda com São João XXIII e São João Paulo II. Mas o que fazer para ser santo? Santo é quem olha ao seu redor e não se cansa de colher as flores e os frutos da árvore da vida, plantada pelo próprio Deus. Santo é quem não receia olhar nos olhos dos outros e ver o brilho que neles se acende. Santo é quem não se rende diante da maldade, mas persevera na busca do bem e dá nome ao bem que encontra. Santo é quem se convence de que Deus só sabe amar e olha para as pessoas com amor infinito. Santo é quem gosta do bem, da beleza, da verdade.

Nestes primeiros dias do mês de maio, venha em relevo um campo específico, no qual a santidade pode e deve crescer, o do trabalho. Ninguém separe sua vida de fé das suas atividades profissionais, sejam quais forem. E vale oferecer, justamente para o trabalho, dois outros sinais esplêndidos. Trata-se de Maria, Mãe do Redentor, uma simples Mãe de Família, no mês que lhe é dedicado. Outro é São José, o operário! As duas figuras, indispensáveis na vida cristã, foram mundo e Igreja, mãos que trabalharam e santidade inigualável. Os dois santos, apenas canonizados, souberam oferecer tais exemplos e deles foram devotos.  É a hora da Igreja, é a hora do mundo, a quem o Senhor Jesus oferece a salvação, pelos méritos de sua paixão, morte e ressurreição. Ninguém desperdice o tempo de Deus, que se chama hoje!